

O Brasil passa por uma época no mínimo inusitada, marcada por protestos em todas as regiões contra a corrupção, as descabidas exigências da FIFA para a Copa 2014, os exorbitantes gastos públicos para a reforma e construção de estádios e a favor da reforma política, de mais investimentos em saúde e educação pública, entre outros. Qual o papel da religião frente a esses manifestos? Igreja não se mete nestas coisas? Deve se posicionar, se envolver, ou ser mera expectadora?
O cristão não é e nunca será autêntico se ficar indiferente aos trambiques dos detentores do poder público e às grandes lutas por conquistas sociais que venham a beneficiar toda população. Muita gente prefere fazer como Pilatos e lavar as mãos dizendo que não se mete em política. E é justamente postura assim, expressão de uma religiosidade superficial e alienada, que interessa aos maus políticos e aproveitadores do poder público.
O Deus a quem louvamos é o Senhor da vida, e de toda a vida, não só da dimensão “religiosa” e “sagrada”. Os aspectos políticos e econômicos da vida não interessam à religião? Deus não se preocupa com eles? Não é bem isso o que a Bíblia diz. O povo hebreu, que residia no Egito, foi humilhado pelo faraó e seus comparsas: “Impuseram-lhes uma dura escravidão. Tornaram-lhes a vida amarga com o pesado trabalho de preparar barro e tijolos e com toda a sorte de trabalhos no campo e outros serviços, que lhes impunham à força” (Ex 1,13-14). Deus não ficou indiferente. Escolheu Moisés para libertar o povo oprimido: “O grito de aflição dos israelitas chegou até mim. Eu vi a opressão que os egípcios fazem pesar sobre eles. E agora vai! Eu te envio ao faraó para que faças sair o meu povo, os israelitas, do Egito” (Ex 2,9-10). Também o profeta Isaías (58,3-8) chama a atenção dos religiosos da época que eram insensíveis às necessidades dos pobres, ou seja, condena as práticas religiosas que não tenham influência nem relevância nas esferas sociais, políticas e econômicas.
Jesus disse: “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10,10). Ele não estava se referindo somente à vida eterna. Quando caminhou na terra, Jesus não disse aos necessitados: “Nunca se preocupem! Todas as coisas ficarão boas para vocês no céu”. Não! Ele mesmo curou os doentes; abriu os olhos do cego; alimentou o faminto. Jesus foi sensível aos que sofriam, passavam necessidades e eram explorados. Em Mt 7,21 afirmou: “Nem todo aquele que me diz: Senhor! Senhor! entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a vontade do meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). Fé não é algo inerte ou um espiritualismo inócuo. “A fé sem obras é morta” (Tg 2,26). O relacionamento sincero, fiel e comprometido com Jesus e com Deus compele o cristão a se envolver na política, na economia e na luta contra tudo o que o que explora, sacrifica e suga a vida do ser humano e da criação.
Se é verdade que a nossa fé determina o que fazemos, nós iremos sim para as ruas levantar bandeiras. Não de partidos políticos, cujas legendas comprovadamente não passam de associações inoperantes, que giram falso em função dos seus próprios interesses e pouco se importam com os apelos da opinião pública. Justiça, seriedade, decência, igualdade, liberdade, respeito, defesa da vida e bem comum compõem a bandeira da paz a ser por todos levantada e defendida; são princípios e valores que comprometem quem crê no Deus da vida e em Jesus Cristo. O Papa Francisco, em sua recém lançada Encíclica “Lumen Fidei”, escreve que a fé nos leva a construir o bem comum, “torna fortes os laços entre os homens e se coloca ao serviço da justiça, do direito e da paz. Essa não nos afasta do mundo, muito pelo contrário”.