

Nos dias em que o Papa Francisco esteve no Brasil, foi particularmente elucidativo prestar atenção na mensagem presente em suas falas. O que o Papa disse? Quais foram os temas objeto de preocupação da imprensa? Na imprensa falada e escrita, alguns “entendidos” em Vaticano levaram dias para perceber que o Papa não veio para satisfazer gostos, interesses ou preferências, nem para colocar-se a favor ou contra os movimentos de rua. Veio para evangelizar, estimular, confirmar a esperança. Portou-se como um pai, um irmão mais velho, um mestre, que tem uma experiência a passar. “Não tenho ouro e nem prata, mas lhes trago o bem mais precioso que possuo: Jesus Cristo”. Foi assim, em torno da Proposta de vida pregada por Cristo, que desenvolveu todas suas falas.
VISÃO EQUIVOCADA – Por muitos dias, a mídia continuava na sua. Preocupada com as formalidades da visita, perdia o significado das catequeses. Queria saber, quanto se gastou? Se o gasto foi público ou privado? Se é justo investir tanto numa visita de um líder religioso? Se supostos e reais padres pedófilos seriam punidos? Cristãos nominais e não crentes partiram rapidamente para juízos de valor, sem se importar com o essencial das falas. Houve quem, alheio à injustiça e à dor humana, produzisse artigo debochado sobre a encenação da Via-Sacra. Outros insistiam na crítica à Igreja como se esta fora um mero ente jurídico que deve responder pela incoerência e desvio de cada um de seus membros. Houve quem visse hipocrisia no Papa, por andar com sapato surrado, carregar sua maleta pessoal ou por andar em carro popular. O que se desejaria? O modo de viver e agir de políticos brasileiros? Andar em carrões pagos e mantidos pelo contribuinte? Se já na Argentina, seu país natal, andava de ônibus, metrô ou a pé, por que teria que agir de modo diferente agora? Ele demonstrou que a prática cristã gera um modo de ser e de agir; não apenas prega, mas age de acordo.
CORPO IMPERFEITO – Desvios de conduta de clérigos são crimes tão graves, quanto aqueles que se praticam todos os dias em sociedades e grupos humanos. Que dizer daqueles que propõem um modo de vida regido pelo instinto, como guia suprema de suas condutas? Desvios são inevitáveis. Mas, não é a Igreja que procede dessa forma. Desvios e erros são inerentes à natureza humana. A incoerência de uns não pode ser debitada a todos. Ser Igreja é ser parte de um corpo, que não é perfeito, mas que se move por convicção e fé, e treina guiar-se pelos valores de uma Proposta de Vida. Após essas críticas, dizia Jô Soares, que se declara agnóstico e não católico: “Olhem primeiro para os seus ‘paradigmas’, antes de acusar”. Ah! Se toda comunidade cristã conseguisse mergulhar sua razão e seus corações no essencial da Proposta! Quão diferente seria o mundo!
A PROPOSTA DO MESTRE – Francisco veio para falar da proposta de vida do Mestre. Reconheça-se, complexa e difícil, até para os mais fervorosos. Porém, transformadora do mundo por conta dos valores humanos e transcendentais extraordinários que encerra. Apelou para o esforço individual e coletivo de construção de relações de serviço despojado, solidariedade, amor, esperança. Referiu-se aos cristãos que vivem exemplarmente, no anonimato, uma vida dedicada, promovendo a dignidade das pessoas. São combatentes que, nas periferias, lutam para reduzir as indigências sociais e espirituais. Dirigiu-se a todos que estivessem dispostos a ouvir e entender: não faltam oportunidades para fazer o bem. É só abrir janelas na razão e no coração. O jovem Francisco de Assis, já fizera isso em seu tempo. Teve a coragem de se debruçar sobre o sentido essencial da Proposta. O exemplo contemporâneo dos jovens cristãos da Toca de Assis é um modelo singular para os tempos de acumulação de bens em que se vive. Ao invés de gastar seu tempo emitindo juízos sobre aqueles que se desviaram do percurso indicado, líderes da Igreja ou membros da comunidade, põem mãos à obra.
O ESSENCIAL DE VERDADE – O que importa é “ter noção”. Escolher e investir no que realmente vale. Ser gerador de proximidade, fraternidade, igualdade, entendimento, solidariedade. Aos governantes deixou claro que, sem um caminho de transcendência, verdades e práticas pautadas por ideologias, que privilegiam apenas a condição social do homem, tornam a vida humana um absurdo sem sentido. Qual é o sentido da vida? Seja servidor. Isso vale a pena. Quando ele pede “orem por mim”, desce ao patamar do cristão que luta. É como se dissesse. Estou no mesmo barco. Sou igual a vocês. Sujeito a erros, frustrações, dificuldades. “Cuidemos de nosso coração, pois é de lá que sai o que é bom e ruim, o que constrói e destrói”.
Antônio Fraderico Zancanaro
Autor de “A Corrupção Político-Administrativa no Brasil”.