

Foi extremamente envolvente e esclarecedor acompanhar o que foi dito sobre a Igreja Católica nos dias que precederam e seguiram o Conclave que elegeu o novo Papa, Francisco. Diante do inusitado da eleição de Jorge Mário Bergóglio pode-se afirmar que a totalidade dos, ditos, “formadores de opinião”, “vaticanistas”, “experts” e “intérpretes” das reais necessidades da Igreja e outros, o estoque de afirmações dúbias e generalistas foi reduzido ao mínimo suportável. A maioria dos comentários focava a Igreja, apenas enquanto Instituição histórica, feita de homens, cheios de vontades, gostos, interesses, necessidades e preferências. Erraram feio! Descalibraram seu “achômetro”. Cada um se esforçava por fazer valer sua opinião. Ignoravam – ou não entendem disso – que os princípios e valores que devem reger a conduta dos cristãos transcendem o mundo histórico-sociológico. Só pelo alto e de raspão, ouvia-se alguém fazer referência ao conteúdo que realmente está em jogo: a Boa Nova, a Mensagem, o Caminho para a construção de um mundo novo.
A concepção cristã de homem e de mundo que serve de base à Igreja funda-se em princípios e valores que são inegociáveis. Extraídos de sua Mensagem, funcionam como uma bússola, um Norte para uma vida respeitosa e equilibrada para aqueles que se propõem a segui-lo. Não se negociam. Não são criação da Igreja. São colhidos da pregação e da ação de Cristo. De sua vontade. Não são opções entre outras. Ele disse que veio para atrair o homem para o alto. Para a libertação. E que esse processo deve ser reiniciado a cada momento, a cada dia. Não disse que seria fácil. Disse que, por aí, o homem alcançaria a libertação. Libertação que começa pelo serviço aos outros, movida pelo amor. Foi a primeira lição do Papa Francisco.
Entre outros, pode citar-se o princípio da dignidade da pessoa humana. A dignidade começa com a chegada do ser humano ao mundo histórico. A vida é sagrada. Qualquer que seja seu estágio. O direito a viver é o 1º de todos os direitos do homem. O aborto é condenado por que é um atentado contra a vida. É condenável porque tira a vida. A vida, pela qual tanto se luta, é um valor em si. Condena-se o assassinato por que tira a vida. Cuida-se da saúde para que a vida seja boa. Impede-se a eutanásia, porque ninguém tem direito a encurtar ou eliminar a vida de outrem. Luta-se para criar estruturas sociais que gerem igualdade, sem ferir direitos e valores individuais, por que se entende que, viver bem é um direito de todos. Trata-se de um princípio evidente e inegociável. É por esse valor que o cristão luta.
Muitas das análises produzidas refletiam muito mais os conceitos da política partidária, interesseira e rasteira, como se pratica em muitos lugares. Carregavam-se as cores das motivações pessoais dos cardeais, movidos a conchavos, maledicências, traições, como se isso fosse o mais importante do Conclave. Nenhuma referência aos elementos de transcendência que fazem a Igreja ser um organismo vivo, movida a objetivos essenciais. Houve repórteres que se deliciavam com suas análises pessoais, incriminando a Igreja como um todo por desvios de conduta de membros seus. Como se as mazelas sociais e as deformações de caráter e de personalidade fossem privilégio exclusivo de cristãos, seus líderes e instituições.
Qualquer empresa séria sabe muito bem quanto o ser humano é complicado. Sabe das dificuldades que são inerentes à conduta humana. Assim como as empresas, a Instituição Igreja é constituída de homens. Não se pode esquecer que lá, como cá, existem pessoas de vida ilibada. Homens de conduta empresarial irretocável do ponto de vista ético. Assim como há tantos cristãos exemplares, modelos de vida íntegra, que se entregam anonimamente ao serviço de sua comunidade de fé. Não se quer negar que os tempos mudaram e que de certa forma muitas lideranças da Igreja perderam a capacidade de dialogar com um mundo em transformação e que se renova a cada dia. O problema não é de conteúdo é de metodologia. Os líderes religiosos precisam encontrar, a linguagem e os métodos apropriados para induzir a reflexão ao conteúdo essencial da Boa Nova, que toque diretamente os corações e a vida das pessoas.
O Ano da Fé sugere pensar nisso. A fé em Cristo é ponto de partida. Mas o fazer não pode atropelar os princípios básicos: a vida, a justiça, a caridade, o serviço, a fraternidade. Isto, sim, pode levar à libertação do homem – que é o objetivo da fé. Alguns, que pouco conhecem da Mensagem opõem enorme resistência ao exercício dessa conduta. Preferem suas soluções, ideologias, interesses, preferências, gostos. E, depois, reclamam por que as coisas vão mal. Infelizes, buscam culpados.
Antônio Frederico Zancanaro
Autor de: A Corrupção Político-Administrativa no Brasil