

Quem acompanha os passos da ação política latino-americana, no inicio deste século, pode ficar com a impressão de que os governantes de alguns países saíram dos trilhos. Acostumados a uma diplomacia de reciprocidade e respeito às regras democráticas, algumas nações surpreendem com a dissonância dos métodos que adotam. Quando candidatos, os governantes têm feito uso das regras democráticas para alcançar o poder e, eleitos, passaram a jogar contra a Democracia. Hoje pautam suas ações por conceitos e procedimentos altamente ambíguos. Assim, agem os mentores daquilo que se denominou de “socialismo do século 21”. Os novos dirigentes, como Hugo Chaves, na Venezuela, tem feito uso das regras democráticas para assumir o poder e, em seguida, as pisoteiam sem pudor. Criaram escola. Produziram uma confusão generalizada. Propositadamente, têm agido de forma ambígua. Parece que as experiências frustradas do Nazismo alemão, do Fascismo italiano e do Comunismo da ex-União Soviética – que levou 70 anos para perceber o autoengano – nada lhes ensinaram.
Projeto mais médicos – No Brasil, aos insistentes reclamos por investimento na saúde pública, os dirigentes recorreram a um projeto “Mais Médicos” arquitetado nos bastidores, confuso e ambíguo. Dificulta à sociedade entender, com precisão, em quais parâmetros filosóficos, políticos e legais se fundamenta. Médicos de diferentes países estão sendo atraídos, por dez mil reais mensais. Há critérios de enquadramento diferentes daqueles que a lei trabalhista brasileira impõe ao empregador nacional. Recebem FGTS, 13º salário, Previdência, horas extras? Por que são dispensados do Revalida, exigência para que médico formado fora do país possa exercer a profissão de forma legal? O que há a esconder?
Médico de cuba sim, família não! – O caso dos médicos provenientes de Cuba é ainda mais estranho. Estes são submetidos a diferentes critérios de remuneração pelo mesmo serviço. A mídia tem divulgado que, os dez mil reais propostos serão enviados, pelo Governo Brasileiro, ao governo de Cuba, mediante uma triangulação com a OPAS, (Organização Pan-Americana da Saúde). Cuba repassará entre 25% a 40% ao médico, retendo os outros 60%. É uma forma de financiar o Governo da ilha dos irmãos Castro? Além da retenção de parte dos salários, os médicos ficam impedidos de se fazerem acompanhar de suas famílias, que permanecerão em Cuba. Para padrões civilizados, isso é vergonhoso. Com sua economia sucateada por uma forma de socialismo que não reconhece a inventividade e o mérito, Cuba pouco tem a exportar. Então, exporta médicos. Mas, lhes retém bens preciosos, como a família e parte dos salários. É ou não um regime de privação de liberdades essenciais? Uma forma reciclada de “escravidão moderna”? Assim, todos ficam nivelados. Nivelados por baixo. Menos a casta dos dirigentes, uma categoria social superior, a perpetuar-se no poder. Haja desprendimento para esses abnegados trabalhadores! Isso, sim, que é idealismo pelo bem de sua pátria! Ver-se-á o que vai acontecer, quando a contrapartida esperada das Prefeituras, no tocante à moradia, transporte e alimentação começar a minguar. Então será possível avaliar o grau de profundidade do suposto idealismo desses profissionais. Tomara que essa crítica esteja total e redondamente equivocada.
Falta de condições ao exercício da Medicina – Em sã consciência, ninguém se diria contra a vinda de médicos estrangeiros para atender as populações carentes dos rincões brasileiros desassistidos da saúde. Mas, é preciso entender que a falta de médicos nos grotões do Brasil se deve, acima de tudo, à falta de condições mínimas para o exercício adequado e digno da medicina. Equipar hospitais e postos de saúde; fiscalizar a correta aplicação dos recursos; punir os corruptos e seus corruptores; sanar o estado de indigência de recursos dos Estados e Prefeituras. Esse é um bom caminho.
É preciso respeito – Ser verdadeiro. É o que se espera de todo dirigente de bens públicos. Não se trata da verdade ideológica, que é parcial, relativista e reducionista. Trata-se da verdade que liberta, aproxima, solidariza, serve. “A verdade vos libertará” (Jo 8,32). É a verdade que cumpre a lei. Protege o fraco. Promove o bem-comum. Busca a justiça, respeita. As Democracias modernas nasceram sob a égide do princípio do respeito às regras do jogo. Sua origem está na cultura hebraico-cristã. Aos trancos e barrancos, sim, mas foi ela que desenvolveu a base para a relação respeitosa entre indivíduos e povos. Os atuais dirigentes máximos do país, norteiam-se por princípios ideológicos de outra natureza. Parecem odiar o esforço individual, a criação, o mérito, o sucesso. Mas sugam e minguam o ganho de quem trabalha e cria riqueza. A confusão e ambiguidade da ideologia bolivariana fazem muito mal aos países que a adotaram. Corrompe princípios e distorce valores. É preciso voltar à reta reflexão sobre a natureza humana e a partir dela reconstruir a justiça nas relações coletivas.
Antônio Frederico Zancanaro
Autor de “A Corrupção Político-Administrativa no Brasil”